Confusão em Couro

Confusão em Couro



Faz um tempo que penso em escrever algo sobre isso, porém esses tempos tive uma motivação especial. Depois de namorar por muito tempo em site de livros, tomei coragem (leia-se: separei grana) e comprei o livro das obras do Tom of Finland editado pela Taschen: Tom of Finland XXL. Poderia aqui desfiar elogios a publicação fantástica, as páginas reveladoras e uma obra extremamente significativa, porém algo me incomoda de forma peculiar; vou explicar...
Por volta dos anos 2000, eu era um jovem espartano trabalhando como office boy, ganhava pouco e nos finais de semana queria me vestir bem e um dos meus sonhos de consumo era uma jaqueta de couro. Juntei os restos do salário durante meses e próximo a data do meu aniversário eu comprei em um brechó uma jaqueta de couro - couro mesmo! - e entendi o que significava então um fetiche. O couro negro se ajusta a pele e tem cheiro, cheiro de couro e corpo, cheiro de suor calado em curtume. O homem vestido em couro sente-se marginal, parte de uma linhagem de homens que não se importavam em "cheirar como homem" e ter uma unica peça de roupa - de couro - sobre o próprio corpo. Vestir couro era vestir também atitude pois, o "biker look" significava se vestir como um Hell Angel e você precisava convencer, senão você seria apenas um "punk sujo ou um rockeiro groselha" pagando pau com uma jaqueta de couro, e creio que ainda hoje deve ser assim, deve (?). Entre motoqueiros a jaqueta de couro é algo quase sagrado, dever ser merecido e é vestido com orgulho, é o simbolo de "pertencimento" ao grupo onde são coladas as patches, suas lembranças, é parte de sua própria pele e identidade.
Tom da Finlândia criou esta estética, ou melho, s encorporou no visual clássico homossexual; o visual clássico do jeans apertado, camiseta branca, e couro, botas - engineer boots que aliás, nem se usa mais no Brasil. Enfim, estar "em couro" era bem mais que fazer compras em um sex shop, era bem mais que botar um chaps de couro falso e rebolar ao som da ultima diva gay, é um "way of life". Enfim, era algo raiz, algo improvisado, algo velho e sujo, cheirando a couro, suor e brutalidade. Tom da Finlândia não conheceu as facilidades do mercado de fetiches em sua juventude, o visual que criou ao seus personagens se encaixavam dentro do conceito de "ultra masculinidade" onde as roupas militares - o couro - usado na época das guerras passava a ser utilizado pelos motoqueiros foras-da-lei que cruzavam a Europa ou América sem destino e precisavam de algo prático e que não precisasse lavar, protegesse do frio e fosse resistente, restos dos estoques das lojas de artigos militares, roupas de cowboys com cheiro de suor de cavalo, tudo que fosse forte, resistente a chuva e aquecesse servia.
Fico admirado com  a distorção dos conceitos - foi assim com o punk, da comercialização de uma cultura - a cultura Leather - como produto pasteurizado nas vitrines dos sex shop, enfim, tempos modernos! Coisas baratas para usar no carnaval ou numa brincadeira de "faz de conta".
Vale lembrar que roupas justas, aos rebeldes, nunca teve a intenção de mostrar o corpo; o couro apertado sobre a carne era o resultado do trabalho pesado, músculos desenvolvidos em roupas que não poderiam ter folgas para não enroscar ou serem puxadas por engrenagens de máquinas (motocicletas) ou chifres de animais, por isso inventaram os arreios masculinos, para animar a brincadeira.
Enfim, conhecer sua própria cultura nos livra da exposição ao ridículo. O vestir, afinal de contas, não é uma externalização da personalidade? Conheça sua história: http://cuirmal.e.nl/
Vamos lá, foda-se! 





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