Lembrando de Nicky Crane
Algumas vezes somos confrontados por coisas ou acontecimentos
do passado. O fato é que, por mais que se pense estar vivendo num país
democrático, numa verdadeira era de “liberdades” a formação da população
brasileira é ainda muito conservadora naquilo que se refere a orientação
sexual.
Espartanos que somos, dentro de nossa discrição e de uma
atitude mais natural em relação a forma de vida, não estamos isentos, contudo,
de passarmos pelas revistas desagradáveis dos guardiões da sociedade moralista.
Esta sociedade, geralmente formada por pessoas insatisfeitas com sua própria vida,
transfere ao outro a responsabilidade pelas mazelas que, segundo eles,
transformam o mundo em um lugar caótico e angustiante de se viver,
justificando-se por “princípios, heranças” apegam-se a isso na defesa dessa
sociedade que não consegue avançar no respeito às minorias, ao diferente.
Esses tempos, estava me lembrando de um personagem que tomei
conhecimento há muitos anos, chamava-se Nicky Crane. Imagino que ele tenha sido
um daqueles indivíduos que, lutando para ter um lugar em uma sociedade
extremamente conservadora e até agressiva em relação a homossexualidade, acabou
se envolvendo e, quem sabe, até mesmo acreditando em uma ideologia que seguia
no sentido inverso dos seus sentimentos e mesmo interesses emquanto
indivíduo. Nicky Crane se envolveu com o Nacional Front na Inglaterra e
tornou-se posteriormente segurança em uma banda “propaganda” do mesmo partido,
a Skewdriver de Ian Stuart.
Conta-se que era um homem muito corajoso, um brigão, calado,
reservado, porém mantinha uma vida dupla que de certo modo era justificada ou
disfarçada pelo serviços como segurança em casas noturnas gays em Londres. Ao
mesmo tempo que servia com um modelo do homem valoroso dentro desse grupo
extremamente preconceituoso, também era visto envolvido dentro das relações
complicadas da sociedade gay na década de 70/80, participando até mesmo das
primeiras manifestações de defesa dos direitos dos homossexuais. Tanto de um
lado como do outro, os que os cercavam “desconfiavam” dessa sua vida dupla,
porém o seu temperamento agressivo desencorajava que os companheiros
perguntassem; talvez até nem quisessem mesmo saber para não serem tomados como “coniventes”
dessa verdade duplamente inconveniente.
A história em relação a descoberta de sua vida dupla é um
tanto confusa, mas o que importa realmente é que ele foi descoberto e exposto
até mesmo como artigo de jornal sensacionalista para ser em seguida expulso e
repudiado dentro do grupo ao qual, por tantos anos, tinha prestado seu
trabalho, costuma-se dizer que ele foi nessa trajetória "do céu ao inferno". Ridicularizado, desvalorizado como indivíduo e tendo sua qualidade de
homem e de coragem achincalhada numa tentativa vergonhosa de justificar essa “falha
de detecção” dessa "sociedade perfeita", ainda hoje é lembrado como uma história
incômoda.
Não quero aqui transforma-lo em herói, ao contrário, sua trajetória é pouco louvável naquilo que fez como escolhas, mas sim colocá-lo
como um exemplo de como as pessoas podem ser complexas e as relações entre
indivíduos, mesmo aqueles os quais se conhecem a bastante tempo e convivem
intensamente, podem ser abaladas quando se tem expostos valores tão enraizados
dentro de uma sociedade como a nossa, quando a homossexualidade é posta a mesa. Muitas vezes somos tentados a acreditar na
boa reação daqueles que nos cercam, imaginando que este “nos conhecer tão bem”
irá advogar em nossa causa, porém, ao longo da vida, tenho visto muito mais o
contrário: o espanto hipócrita, a surpresa dissimulada seguida de um
afastamento progressivo com justificativas confusas daqueles indivíduos que, até
ontem, eram nossos melhores amigos. Não sou capaz de ver como bom negócio essa
exposição desnecessária de sua intimidade, de sua vida mais particular. Peço
aos jovens que tenham cautela, avaliem os limites de sua segurança, de seus interesses e de suas relações de amizade e confiança!
Corajosa postagem, veio em boa hora. Obrigado Recruta!
ResponderExcluirVou ler sua postagem mas fico muito contente de está escrevendo em sem blog. Abração.
ResponderExcluirCada um deve avaliar como se comportar e se manifestar. Mas quanto mais nos associarmos melhor cada um dando o que pode e se sente confortável.
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